segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Sortelha

Sortelha, 24 de Janeiro de 2011. Dia de semana. Aldeia deserta. Algumas casas reconvertidas em abrigos de fim-de-semana, para quem gosta e volta. Outras em turismo rural, para quem gosta mas talvez não volte. Outras ainda, muito menos, habitações permanentes dos poucos habitantes que restam dentro das muralhas. A maior parte moram fora. Fora das muralhas, alguns. Outros, fora do país, fora dentro do país, desenraizados à força.
Hoje, dia de semana, dia de Inverno - ainda que belíssimo - os resistentes que costumam receber os visitantes convidando-os a conhecer o seu artesanato, os seus produtos locais, a sua hospitalidade convertida de repente em ganha-pão, não estavam. A aldeia estava fechada, compreende-se. Compreende-se muito menos que o posto de turismo estivesse fechado. Na sua simplicidade, sem perceber completamente o interesse citadino por aquelas pedras, vivem com a dualidade de ver a desgraça e o abandono da agricultura, da produção - e também da reprodução -, da vitalidade, das casas, da esperança, coexistir com um interesse turístico pelas marcas de um passado duro. E procuram viver com isso, tentando juntar às míseras reformas algo mais com esta contradição. De pouco serve. O retorno é magro. Os apoios e o investimento, depois da requalificação, vêm sob a forma de cortes nos medicamentos, estagnação das pensões, serviços de saúde cada vez mais parcos e longínquos... A lista é longa, e a tristeza é densa. A resignação também.
E as belas e imensas penedias que circundam a aldeia, com o seu potencial turístico mas também agrícola e pecuário, completamente abandonadas.
Completamente? Não. A toda a volta, em todas as cristas e elevações, um multidão de aerogeradores invade a paisagem. É impossível descansar os olhos de tal aberração. Poderiam significar mais emprego, melhores remunerações, o retorno da juventude à terra. Mas não. Não significam sequer uma energia mais barata, nem ali nem em lado nenhum.
Como um símbolo, estão ali para lembrar que, com estes governos desgraçados, com estes presidentes da república desgraçados, é o grande capital que manda. Que os cavacos e sócrates se estão completamente marimbando para a desertificação, e que até a agradecem porque os amigos precisam daquelas penedias para continuar a aumentar exponencialmente as suas fortunas. Parques eólicos, barragens, campos de golfe... o "interior" serve-lhes para muita coisa. E pessoas, só as essenciais para fazer funcionar a coisa.

E, no entanto, Sortelha, como a maior parte das aldeias desertificadas deste país - pelo menos a Norte do Tejo - lá deu, ontem mesmo, o seu contributo para a reeleição de um dos maiores responsáveis pela sua desgraça...

3 comentários:

Maria disse...

Conheço bem essa realidade.
Posto de turismo aberto? Só aos fins de semana e feriados, agora que é inverno...
Saudades de ir até aí. Talvez em Março...

Beijos.

Jeremias disse...

É preciso avisar a malta com paciência.

Fernando Samuel disse...

Temos muito trabalho a fazer até que as pessoas saibam que... todos os seres humanos, pelo simples facto de existirem, têm direitos que ninguém tem o direito de lhes roubar...

Um abraço.