quinta-feira, 26 de junho de 2008

In JC - Elogio

Com tanta sacanice em catadupa, com figuras tão sinistras a golpear diariamente a nossa democracia, aqui trago mais um dos artigos saídos no JC. Foi escrito e publicado (sim, até foi) após um triste fim de semana de Junho de 2005. E, num momento em que ao aumento da repressão também vemos responder um aumento da resistência, sabem bem recordar estes dois democratas. Aqui vai:


Elogio da humanidade

Álvaro e Vasco. Tiveram em comum a crença na capacidade do povo português trabalhador para construir uma sociedade mais justa, mais solidária, uma democracia profunda, para além da fachada. Concretizaram essa crença numa luta concreta, coerente e consequente. Souberam sempre que essa luta teria adversários poderosos e bem apetrechados, mas que a vitória seria certa, que as contradições de uma sociedade injusta, desequilibrada, não poderiam senão ser ultrapassadas.
Vasco Gonçalves foi o rosto de um momento em que essa vitória pareceu próxima. Por um momento, foi possível em Portugal iniciar transformações sociais profundas, concretas. Por um momento, os privilégios tradicionais estiveram seriamente ameaçados. Foi um dos períodos mais fascinantes da nossa história, no qual Portugal experimentou uma nova construção nas relações sociais – muito sua, sem modelos, passível de ser bem sucedida. Um período que acabou como se sabe. Mas que aconteceu, realmente, em Portugal, e este facto paira como um espectro junto da direita portuguesa (assumida ou não). Por isso, o tratamento mediático dado à morte de Vasco Gonçalves não conseguiu disfarçar o desconforto e o incómodo por ter que se falar nisso. Algum receio, quem sabe, de que se recordasse aquilo que se recordou na manifestação popular que foi o seu funeral: Vasco Gonçalves foi o único primeiro-ministro português que governou em favor dos trabalhadores. Talvez por isso, por vergonha, nem o Governo nem o Presidente da República se fizeram representar no funeral. Ou talvez com medo de ser confrontados com a sua ridícula insignificância. Vasco Gonçalves foi um homem de uma extrema doçura, que amou e defendeu sempre “o seu povo”.
O mesmo povo que Álvaro Cunhal serviu sem vacilar durante os seus 91 anos de vida. Essa é uma verdade quantas vezes escamoteada, mas ainda assim reconhecida por esse povo. Álvaro Cunhal foi um homem. Ao contrário do que apregoaram algumas figuras pequeninas, daquelas que povoam o nosso ruído mediático, armadas da sua pseudo-intelectualidade e das suas cassetes, Álvaro Cunhal não foi um deus nem um mito, foi um homem. E, como tal, foi um exemplo raro de entrega sem reservas de uma vida ao colectivo que é o povo português. A sua inteligência e lucidez invulgares, a sua energia, mas também a sua liberdade, o seu sono, o seu conforto, os aspectos mais elementares da sua vida entregou-os, até ao último dia 13, à luta pelos trabalhadores portugueses. Ainda assim, foi um homem, um homem invulgar, mas um homem, de carne e osso. E, enquanto perdurar nas nossas memórias o seu exemplo de coragem inabalável, nenhum outro homem terá o direito de se acomodar numa suposta “natureza humana” para desculpar as suas próprias incoerências ou, simplesmente, a sua mediocridade.
Aos meus netos direi que tive a honra de conhecer homens grandes, corajosos, que se entregaram à humanidade. Obrigado, Vasco. Obrigado, Álvaro. Até sempre.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Crise, dizem eles? Vamos a ela!

Se "eles" quiserem, saimos da tal crise. Mas não querem.
Para que se saiba, aqui vão as 7 medidas do PCP para a ultrapassar, à crise. Funcionam, é claro. Mas os interesses que "eles" defendem não as querem. Entrariam em crise...
Seja como for, aqui vão as medidas que o Partido Comunista Português propõe:

1- O aumento geral dos salários, designadamente do salário mínimo nacional, que inclua um aumento intercalar para os trabalhadores da administração pública, correspondente à recuperação da perda de poder de compra ocorrida este ano, de acordo aliás com as promessas do Primeiro-ministro.

2- O aumento extraordinário das pensões de forma a que as pensões mais baixas progridam em 2008 pelo menos 4% e as intermédias acompanhem o aumento previsível da inflação.

3- A alteração dos critérios para a atribuição do subsídio de desemprego no sentido de reverter a restrição imposta pelo governo, que leva a que a maioria dos desempregados não tenham acesso ao respectivo subsídio.

4- A aplicação de medidas com vista à diminuição dos preços dos combustíveis, designadamente com a criação de um imposto sobre os lucros especulativos das petrolíferas, e ao apoio a importantes sectores económicos especialmente penalizados por estes aumentos, tal como já anunciado no projecto de resolução do PCP sobre esta matéria.

5- A garantia do congelamento dos preços dos títulos de transporte, para além dos passes sociais, através da concretização da utilização do gasóleo profissional anunciada pelo Governo e que tarda a concretizar-se.

6- O estabelecimento de um preço máximo para 2008 num conjunto de bens essenciais básicos alimentares e de higiene.

7- A contenção do aumento custo dos empréstimos actualmente existentes à habitação através da orientação accionista do Estado para a Caixa Geral de Depósitos no sentido de praticar um spread máximo de 0,5% nos empréstimos à habitação, com o consequente efeito de arrastamento no mercado, equacionando igualmente o eventual recurso a medidas de apoio ao nível do endividamento das famílias com mais baixos recursos.

domingo, 15 de junho de 2008

Anestesia

Anestesia

A anestesia é um processo conhecido e útil como auxiliar da medicina na realização de operações ou tratamentos dolorosos. Mas é, também, antes de mais, a simples perda da sensibilidade, da capacidade de sentir. A tão falada indiferença que, em maior ou menor grau, nos ataca ao vermos imagens de violência ou de miséria banalizadas através dos media é o resultado de uma anestesia, provocada pela repetição, a um ritmo que não deixa margem para uma reflexão dolorosa, daquelas imagens. A distracção é outra forma de anestesia. Todos os espectáculos de massas que não despertem uma experiência emancipadora do ser humano no sentido da sua autonomia e do seu crescimento, que visem apenas a sua distracção inconsequente, são uma poderosa forma de anestesia na medida em que o afastam, alienando-o, do confronto com a realidade, com as suas dores mas também com a sua beleza surpreendente. É o caso dos mundos virtuais do espectáculo futebolístico, da telenovela ou dos reality shows. Uma outra forma de anestesia é o fatalismo, segundo o qual as coisas são como são por desígnio divino (a famosa expressão “porque Deus quis”) ou natural. Assim, o nosso sistema económico e social, o capitalismo neoliberal, seria um sistema natural, o melhor dos sistemas realizáveis, com as suas crises cíclicas e as suas retomas (tal como a sucessão das estações do ano) e com algumas consequências mais nefastas mas inevitáveis (tal como as catástrofes naturais). Toda a tentativa de ultrapassar o sistema seria contra-natura e condenada por isso ao fracasso. Eis, porém, que um facto vem estragar esta certeza: nem a Natureza é natural; a Natureza tem uma história, que não acabou, e aquilo que nos parece natural porque tem uma idade avançada nem sempre existiu, e um dia acabará. No nosso país de brandos costumes tem sido uma constante a crença na inevitabilidade do nosso destino, controlado pelas forças divinas, que se cruza com a crença no natural. Cremos facilmente, e cada vez mais, que determinados factos inaceitáveis são naturais e estão para lá da nossa vontade: é natural que tenhamos que pagar tudo e sejamos mal servidos, que tenhamos salários baixos, que os ricos sejam ricos e os pobres sejam pobres, que os governantes nos governem mal, que prefiram dar-nos fontes luminosas e estádios a saúde, educação, saneamento básico ou transportes, que tenhamos que viver em eterno sacrifício. Mas nada disto é natural: pode e deve ser mudado. Antes de mais, é preciso resistir à anestesia.
Publicado no "Jornal do Centro" não sei bem quando

De novo, JC

Por sugestão da minha querida Sal, do Mar Sem Sal, voltei aqui para publicar alguns artigos que foram saindo no Jornal do Centro, assinados por um tal Carlos Canhoto. A série de publicações foi, segundo o autor, sendo cada vez mais espaçada, os artigos foram sendo alvo de vários "esquecimentos" na hora da paginação e... enfim, deixaram de aparecer. Censura? Talvez. Certamente.
Alguns sobre Viseu. Outros não. Alguns com interesse naquele momento. Outros modestamente actuais. De entre estes, um ou outro que poderá aqui ser relembrado. Aqui vai um, já no próximo post.