domingo, 26 de abril de 2009

Cravos perenes

Ontem, ao (re)ver imagens do dia 25 de Aril de 1974 em Lisboa, do povo que encheu as ruas - o Largo do Carmo mas não só - o contraste com o que havia visto em Viseu passados 35 anos deixou-me melancólico. Não que as comemorações em Viseu tenham sido mornas ou indignas. Não que o povo que esteve não tenha participado com um sentimento de felicidade e de alívio pelo que se estava a comemorar. Se não fosse por mais, bastaria ter visto as crianças e jovens que, da parte da manhã, encheram o Rossio de cor, de felicidade, envolvendo nos seus gestos espontâneos e despreocupados o dia frio mas feliz, num espaço cada vez menos frequentado por ex-pides remoendo as "mágoas" que este preciso dia simboliza.
Mas a travagem e retrocesso que a gentalha que tem povoado os governos fez sofrer aos valores de Abril manifesta-se de modo mais óbvio lá onde o distanciamento do epicentro, o isolamento e um exército bem oleado de caciques impediram que os ares de Abril tivessem tempo de se fazer sentir em mais do que uma leve brisa. Estancaram-nos até que a contra-revolução estivesse em marcha com toda a força, e depois a coisa foi mais fácil. Por isso, por estas bandas, a imensa maioria das pessoas que fazem do trabalho o seu modo de vida ainda não percebeu que o são (pessoas). Que têm força. Que não têm que agradecer a ninguém favores que o não são, favores que são direitos. Que, se quiserem, podem ser livres. E que tudo isso se deve ao 25 de Abril, ao que milhares de homens e mulheres na clandestinidade lhes trouxeram depois de décadas de árduas e perigosas lutas.
Assim, no 25 de Abril de Viseu a multidão nada tem que ver, mesmo salvaguardadas as devidas proprções, com o que se passa noutras paragens. Pelo simples facto de que, em larga medida, nada parece ter acontecido.
Mas aconteceu. E, como dizia acima, a contra-revolução facilitou a vida aos caciques. Que baixaram as guardas. E que, ao fazê-lo, facilitaram por sua vez a vida a quem resiste. E quem resiste penetrou e criou irreversíveis focos de novas resistências, cravos de Abril perenes que, um dia destes, desatarão por aí a desabrochar e a libertar vidas e a dar-lhes verdade e dignidade.

4 comentários:

Sal disse...

Post fantástico.
É isso, tal e qual, sem tirar nem pôr.
Parabéns pela clareza de ideias.

beijinhos muitos

Maria disse...

Sei que é assim, conheço bem algum interior do País.
A mudança de mentalidades é um trabalho árduo e longo.Mostrar às pessoas que somos todos iguais é difícil. O compadrio e o caciquismo insistem, e subsistem...
Tanto trabalho pela frente...

Vamos arregaçar as mangas?
Sim, ainda mais...
:))

Beijo

Antuã disse...

Mas a verdade é que este ano muita mais gente participou nas realizações de esquerda que nos últimos anos e isto deve dar-nos alento para a caminhada

GR disse...

Uma reflexão serena e nostálgica, não deixando de ser muito realista.
Sem dúvida quem viveu ABRIL, sente que nestes últimos anos houve um grande retrocesso, o interior é cada vez mais vítima destes (des)governos neoliberais.
Novamente a população está a acordar.
O Cravo de Abril está novamente e em força nas ruas e já não é só em Abril.
Como dizia o poeta,
"Isto vai camarada, isto vai"

GR